quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Dezembro é o mês da Jane Austen e então decidi ler Emma





Dia 16 de dezembro de 1775, nascia uma das autoras inglesas mais influentes da sua época e que até hoje inspira e motiva muitos escritores e, assim como eu, leitores também. É difícil falar sobre ela aqui no blog, pois sou uma admiradora assídua de sua obra e quanto mais amamos um certo escritor, mais árduo é nosso trabalho de exaltá-lo, não existe palavras o suficiente para descrever minha afeição por Jane Austen e para nunca esquecer das suas obras, decidi que todo mês de dezembro eu lerei algum romance seu, mesmo que eu tenha lido outros ao decorrer do ano, em dezembro eu lerei Jane Austen e esse ano decidi ler Emma.

Este romance traz as características bem conhecidas de Jane Austen, a história de uma jovem inglesa e o retrato da sociedade cujo ela pertencia, então temos os bailes, passeios e cortes muito em retratados, sem perder o estilo da época e o próprio estilo que Jane Austen é conhecida. Pela primeira frase do livro, já sabemos como Emma realmente é. “Emma Woodhouse, bonita, inteligente e rica. ” Pode soar superficial, mas é aqui que a ironia nata da autora entra em jogo no romance, Emma ao mesmo tempo que se limita a esses atributos torna-se – ouso dizer – a melhor personagem do universo dos romances de Jane Austen.

Sim, Emma de longe é a personagem/protagonista mais completa de Jane Austen, pois ela é um pacote completo de eterno carisma e até uma certa forma de humor. Emma nos envolve na história por sempre possuir aquele caráter puro e cheio de sonhos, que chega a ser ingênuo, mas que é lapidado a cada capítulo. A personagem cresce junto a narrativa, ela é cativante pois passa de fútil a encantadora, ela é engraçada e atrapalhada, mas junto de ti leva um espírito muito forte e convicto, ela conhece seu papel na sociedade e tenta dar um passo à frente.

Quando falamos das heroínas de Jane Austen, até mesmo Elizabeth Bennet possui um caráter mais sóbrio, mesmo sendo muito à frente de seu tempo – darei apenas seu exemplo para não me estender nos outros romances – Emma consegue sobrepor Elizabeth por possuir um carisma único e cativante e podemos dizer que sua condição de não querer se casar durante uma grande parte do livro nos mostra como ela sabia em qual camada social ela pertencia – uma classe alta – e com isso poderia usufruir de tal escolha, de ver o casamento com outros olhos e saber que já possuía dentro da casa de seu pai, um título de dona e que não existia tantas vantagens assim em um casamento perto do que ela já possuía, nos mostrando o quão articulada ela poderia ser. Emma não era fã da literatura, era sociável e nobre, mais uma vez trazendo a ideia de uma heroína muito diferente da outras, podemos dizer que ela é uma das protagonistas mais bem construídas de Jane Austen.

Bem, até agora só falei de Emma e não contei muito do enredo em si, esse livro é uma daquelas obras que possuem um enredo bem simples em vista da complexidade de outros quesitos, como o dos personagens, que possuem personalidades únicas e distintas. Temos a vida de Emma sendo relatada, assim como as pessoas que com ela convive em seu círculo social e Emma possui uma característica, o qual é a mais conhecida pelos leitores, de querer unir casais, algumas vezes com sucesso, como no caso do Sr. e a Sra. Weston, outras vezes não, como na maioria dos casos, mas Emma possuía uma excelente índole e muitas vezes por ingenuidade não percebia as reais intenções das pessoas, ela buscava fazer o bem. Então temos ao decorrer da história inúmeros eventos que geram muita diversão á nós leitores com uma linguagem amena e divertida, mesmo com quase seiscentas páginas o livro não nos cansa.

Outro aspecto muito lindo e importante de salientar é a relação amorosa de Emma e o Sr. Knightley, pois também é um romance diferente dos outros vistos nos romances austenianos, temos aqui uma relação fraternal que foi sendo construída amorosamente. Sr. Knightley é um homem muito mais distante das pessoas, mas que sempre possuiu uma amizade cativante com Emma e que aos poucos foi construindo o romance da história, ambos um com o outro são muito sinceros e verdadeiros e chega a ser belo como ambos descobrem estar apaixonados, acredito que é uma forma bem real de um romance, não possui muitas idealizações ou adereços, simplesmente acontece.

Portanto, podemos concluir que foi uma experiência maravilhosa (na verdade, é uma releitura para mim) que me divertiu e me fez amar cada vez mais as obras de Jane Austen. A ela, sou eternamente grata por cada vez que nos encontramos por meio da leitura, me inspirar e aprimorar tudo o que eu sou, como é incrível ser transformada pela literatura!

Com carinho, Malu, a Traça dos livros.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Análise: A outra volta do parafuso e meu leitor misterioso




Esperei a febre do mês de outubro passar, quase todos os canais e blogs que conheço enfatizaram muito a temática do Halloween e de histórias de terror, mistério e morte para enfim ler esse clássico da literatura inglesa. Além disso, foi meu primeiro contato com Henry James, um escritor inglês muito renomado (desafio dos 20 autores) e que eu estava ansiosa para conhecer, não me decepcionei, o resultado dessa leitura foi incrível!

Vamos começar falado do título, em inglês o conto chama “The turno of the screw” e conseguimos entender o porquê deste título a partir do desenrolar da história. Começamos com um clássico dos contos de terror, pessoas reunidas contando histórias horripilantes, até que um dos ouvintes alega ter uma história aterrorizante, a mais aterrorizante de todas e que envolviam duas crianças, ele conta a história de uma mulher que não sabemos o nome, a partir das suas anotações que foram confiadas a tal narrador. Então começamos a saber a história pelo ponto de vista dela.

Uma jovem mulher, filha de um pároco, que buscava um emprego digno e se deparou com um belo homem cujo à primeira vista se viu atraída, o mesmo tinha uma proposta para ser uma governanta no interior do país, para seus dois sobrinhos cujo tinha a tutela, ao aceitar a proposta, ela devia estar ciente que o mesmo não queria contato com as crianças, a nova governanta não poderia escrevê-lo, pois não era do seu interesse saber sobre as crianças e ficava na responsabilidade dela resolver os problemas que poderiam aparecer. Ainda envolvida por ele, a jovem aceita o emprego e vai para a casa em Bly.

Primeiramente, ela conhece Flora, uma menina linda e adorável que logo tem toda a sua empatia. Posteriormente ela veio a conhecer Miles que, estranhamente foi expulso do colégio interno por má conduta, mas ao conhece-lo percebe que ele era o contrário disso, além de extremamente belo, era simpático e inocente, ou seja, a moça logo tem total amor pelas duas lindas crianças e tudo parecia ser belo aos seus olhos nesse novo emprego.

Então, eis que as complicações começaram a aparecer. A tal jovem começa a ver o fantasma de duas pessoas, a antiga governanta da casa e o mordomo, ambos mortos antes dela chegar em Bly, o mesmo casal tinha um caso escandaloso pela casa e a jovem começa a acreditar que não é a única que pode vê-los, as crianças também podiam e começa então querer a qualquer custo protegê-las e faze-las confessar que também viam tais fantasmas. Es que o título se faz pertinente. Todavia, esse excesso de proteção e convicção de seus atos levará a uma desgraça no final, leiam a história e ficarão completamente sem rumo com o final que tudo levará.

Como sempre, eu nunca deixo os detalhes técnicos ou estruturais das obras de lado, mas venho aqui contar uma história um pouco diferente dessa vez. É a história do meu leitor fantasma, cabe bem com a premissa que o livro trazia. Peguei emprestado na biblioteca da minha faculdade o exemplar e posso dizer que algum leitor antes de mim fez anotações e grifos em momentos da história que enriqueceram muito a minha leitura, um leitor fantasma muito atento aos detalhes que me indicava pistas ou sugeria interpretações, muito atento a forma, indicando tempo e espaço com muita rigidez e que me deu uma possibilidade de leitura muito vasta. A este leitor fantasma – cujo tenho quase certeza que se trata de um estudante de letras também – agradeço infinitamente por ter sido tão atento e genial, fez da minha leitura lago muito mais enriquecedor.

Com carinho, Malu, a Traça dos Livros.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Análise: Caim, as múltiplas leituras sobre Deus




“A culpa era da sua cegueira de progenitor a tal, pelos vistos incurável, que nos impede de ver que os nossos filhos, no fim das costas, são tão bons ou tão maus como os demais. ” (Pág. 13).

Novamente – não demorou muito – me aventurei ler um Saramago, acredito que se você procura ler livros desse autor, aconselho começar por essa obra para se familiarizar com a estrutura e estilo. Não me decepcionou nenhum pouco.

A proposta de Saramago para essa obra é trazer uma nova versão de certos acontecimentos bíblicos com o protagonismo do conhecido personagem bíblico Caim. Primeiramente, temos a Criação do mundo com Adão e Eva sendo contada até o momento do pecado original acontecer, após este momento toda a trama será cercada por infortúnios. Para quem desconhece a história e as figuras da trama, Caim foi filho de Adão e Eva que, movido por sua revolta por ser irmão, Abel, ser o escolhido de Deus acaba o assassinando e sendo amaldiçoado por Deus.

“Era eu o guarda-costas de meu irmão, mataste-o, assim é, mas o primeiro culpado és tu, eu daria a vida pela vida dele se tu não tiveste destruído a minha...” (Pág. 34).

O autor traz para o leitor uma visão da vida de Caim após este infortúnio. Caim foi amaldiçoado com a imortalidade e teria que vagar pelo mundo sem poder ser morto, na primeira cidade que para, conhece Lilith que viria ser sua mais profunda amante a quem chegará até a ter um filho. Tratar de Lilith, uma personagem um tanto quanto excluída dos pensamentos religiosos é um tanto quanto polêmica e percebemos que é isso que o autor quer, trazer uma nova versão dos acontecimentos bíblicos de forma polêmica, mas também muito reflexiva.

Todavia, Caim não permanece apenas nos braços de Lilith, se torna um homem errante que vagava pelo mundo e que começou a presenciar muitos momentos que são citados na bíblia e temos, durante a narrativa, o seu ponto de vista sobre tudo que estava acontecendo. Caim via a fúria de Deus sobre os homens e também as ações tenebrosas do homem em nome de Deus e questiona isso a todo momento. Caim encontra Abraão a ponto de sacrificar o próprio e único filho, Isaac, para provar sua fé, vê a destruição da Torre de Babel pelo desagrado de Deus ou a destruição dos povos de Sodoma e Gomorra que foi reduzido a cinzas pela ira de Deus, tudo muito questionado e refletido por Caim, que cada vez mais se vê descontente ou revoltado com essas atitudes perante o mundo.

“A história dos homens é a história dos seus desentendimentos com Deus, nem ele nos entende a nós, nem nós o entendemos a ele...” (Pág.88).

Temos um final surpreendente na história, no momento do dilúvio e a arca de Noé, um desfecho de tirar o fôlego, bem ao estilo de José Saramago! Que em nenhum momento nos decepciona com seu enredo instigante e sua estrutura única. Sou uma pessoa católica e que sempre ouvi tais histórias, mas desde sempre gostei muito de ler histórias que confrontam certos dogmas da instituição, isso não me faz me afastar, pelo contrário, me faz refletir sobre o meu papel nela, algo saudável e construtivo, sempre é muito bom ouvir todos os lados de um fato.

Um fator muito interessante da história também é o uso da ironia, chegando ao ponto de ser até cômico, Saramago expõe mesmo a miséria humana, mas acredito que na verdade, ele expõe o que realmente um humano é, um ser cheio de erros e que de deixar ser movido pelas palavras dos outros, sendo estas palavras como por exemplo, as de Deus. No final, vemos que sempre certas ações humanas não são muito de livre-arbítrio, fica então a reflexão.

Com carinho, Malu, a Traça dos Livros.

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Análise: Morte em Veneza, o encontro do apolíneo com o dionisíaco




Eu particularmente sempre tive muita vontade de ler esse livro e nunca encontrava um exemplar, eis que o dia chegou e em minhas mãos comecei a ler, foi incrível a experiência que em nenhum momento me decepcionou, só me dava mais vontade de ler, não foi à toa que acabei em dois dias. Para iniciar minha leitura de Thomas Mann, um autor laureado com um Nobel de Literatura, esse livro foi muito satisfatório.

Esse livro é tão incrível que não estou sabendo bem como começar a abordar tudo que quero nesse post do blog. Primeiramente, temos um narrador muito descritivo contando a história de Gustav Von Aschenbach, um escritor famoso e que busca nova inspiração para sua nova obra, uma vez que se vê sem motivações. Durante um passeio de trem em Munique, Aschenbach se depara com uma figura estranha e horrenda que o faz refletir sobre sua estadia na cidade e conclui que deveria procurar um outro lugar para se inspirar. Veneza.
Veneza, uma cidade toda bela e poética e que ao mesmo tempo é pútrida e doente, um contraste de sensações no mesmo espaço. Temos aqui uma definição proposta por Nietzche, cujo Thomas Mann se inspira ao construir a narrativa, o domínio de dois tópicos completamente opostos dentro da arte, o apolíneo e o dionisíaco. O apolíneo é mais voltado a razão, sobriedade e retidão, enquanto o dionisíaco explora a sensibilidade, emoção e movimento. Vamos perceber que ao longo da história o contraste dessas duas formas será apresentado ao decorrer do enredo, uma figura dionisíaca sobrepondo-se a uma figura apolínea.

Já que estamos falando de Veneza, é necessário falarmos do título, “Morte em Veneza” já deixa mais do que explícito o que irá acontecer durante a história e temos nessa narrativa vários prenúncios de morte. São figuras que irão representar a morte ao decorrer do livro, podemos perceber isso na figura do homem horrendo no trem de Munique e também na chegada de Aschenbach em Veneza – retomando a história – na figura de um barqueiro que trazia consigo um aspecto fúnebre dentro de sua gondola, podemos dizer que o mesmo poderia ser uma representação de Caronte, o barqueiro do inferno de Hades. Temos um diálogo entre eles cheio de subliminaridades e um clima denso, realmente um prenúncio de morte. E ao longo do enredo, outros mensageiros da morte irão aparecer.

“- Quanto cobra pela viagem?
Olhando por cima dele, o gondoleiro respondeu:
- O senhor pagará. ” (Pág.112)

Não pode ser deixado de falar do encontro mais marcante dessa história, o encontro de Aschenbach e Tadzio. Um jovem de quatorze anos extremamente belo, tão belo e perfeito a ponto de fazer Aschenbach se apaixonar perdidamente, uma forma platônica de amor, beirando ao homoerótico que fez de tal ficção a inspiração para o autor escrever. Tadzio é a representação do belo e irracional (dionisíaco) se encontrando com o estável e racional presente em Aschenbach (apolíneo). Essa forma platônica de amar trará uma transformação na forma de viver do escritor que começará a modificar certos hábitos teus e de certa forma, perseguir tal menino como que se sua vida dependesse disso. O ponto de tal obsessão é tanto que temos um diálogo de Platão e Fedro transcrito na história, no sonho de Aschenbach como representação do platonismo romântico dentro desta relação.

“ ‘Não deve sorrir assim! Ouça, não seve sorrir assim para ninguém! ’ Atirou-se sobre um banco, respirou indignado o perfume noturno das plantas. E, inclinado para trás, de braços pendentes, dominado e sentindo-se percorrido por arrepios, murmurou a eterna fórmula do anseio – aqui impossível, absurdo, abjeto, ridículo e, no entanto, sagrado, digno mesmo, ainda aqui: ‘Eu te amo! ’” (Pág. 145).

Como já havia dito anteriormente, a morte está presente em todos os momentos da narrativa, uma epidemia de cólera assombra Veneza e junto com sua loucura por Tadzio, temos o protagonista sucumbido por tudo isso em um desfecho cru, mas preciso, somos envolvidos tão bem sobre esta escrita descritiva e musicalizada que um vazio existencial ocorreu após terminar de ler a última linha. Com certeza irei ler outros livros do Thomas Mann em breve, assim que conseguir ter algum em mãos e indico também o vídeo do programa “Literatura Fundamental” sobre este livro, traz discussões incríveis e que te fazem querer ler mais sobre este autor. Incrível!

“A felicidade do literato é o pensamento que é todo o sentimento; é o sentimento que consegue tornar-se todo pensamento. ” (Pág. 138)

Com carinho, Malu, a Traça dos Livros.

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Análise: A valsa dos adeuses




Assumo, eu não sabia muito bem o que esperar deste livro, talvez eu tivesse medo de colocar muitas expectativas e me frustrar durante a leitura, mas posso dizer previamente que nada me decepcionou. Estou dizendo isso pois esta obra foi especialmente aquela obra que optei por ler devido ao autor. Quando falamos de Milan Kundera, temos “A insustentável leveza do ser” em mente – inclusive é uma obra que eu adorei terlido e que já tem análise no blog – então, já posso alertar a todos, este livro não é “A insustentável leveza do ser”.
Acho que para analisar a história, é preciso salientar o tema principal que constrói tudo que ali está escrito que é a misoginia. Definimos misoginia como a aversão ou desprezo as mulheres, ao longo da narrativa, vamos percebendo aspectos deste tipo de preconceito em ações dos personagens. Milan Kundera, em suas obras, sempre traz assuntos assim e fazem deles planos de fundo críticos muito bem sutis.

Para explicar melhor o conceito, é preciso situar o espaço que a narrativa se encontra. O enredo acontece em uma estação de águas, uma cidade que possui um balneário para tratamentos de saúde por meio de águas termais, nesse caso em especial, o tratamento mais procurado é feito pelo público feminino em busca da cura da infertilidade. Ou seja, a pequena cidade sempre está repleta de mulheres estrangeiras em busca da fertilidade e podemos dizer que isto não é muito de agrado do público feminino local que vê tais mulheres como intrusas de sua cidade, eis que temos um primeiro conflito sutil de misoginia que acontece entre as próprias mulheres.

Uma das enfermeiras desta estação termal é Ruzena, uma bela mulher que compartilha desta aversão pelas estrangeiras em busca de tratamento. Todavia, Ruzena está grávida, chega a ser controverso, em uma cidade que a maior busca é poder conceber, quem concebe é uma enfermeira local, mais uma vez temos o desprezo das mulheres sobre a tal moça. Este é o primeiro retrato que temos a história. Ruzena está supostamente grávida de Klima, um famoso trompetista casado, que se aventurou com a mulher por uma noite apenas. Ao descobrir sobre a gravidez, o mesmo tenta de todas as maneiras convencê-la a abortar. Temos aqui um homem que se acha na capacidade de opinar sobre uma decisão que deveria ser feita pela dona do próprio corpo, a mulher.

Outro panorama interessante de se abordar na narrativa é o arco sobre o personagem do médico ginecologista do local, o Dr. Skreta, um homem com métodos não tão ortodoxos assim para com suas pacientes desesperadas e em busca de terem filhos, podemos ver que nesse caso, o autor mais uma vez critica levemente as tomadas de decisões de um homem sobre um corpo feminino e nesse caso, sem tal conhecimento ou consentimento da mulher. Acredito e, ser algo complicado de se tratar ou expor.

O enredo possui outros arcos, cada capítulo chega a ser cinematográfico pois nos fornece visões de vários fatos e também certa simultaneidade, acredito ser comum na escrita do Kundera, consegui ver muito disso em sua estrutura narrativa. Não irei me atentar em descrever todos os arcos narrativos, pois acredito não ser completamente necessário, mas posso dizer que eles estão muito bem amarrados e no final da história temos tudo completamente ligado e muito bem finalizado a partir de um envenenamento, não darei detalhes para que a curiosidade de todos os leve a ler o livro.

É um bom livro e a leitura é muito bem fluida, mas não é aquela obra magnifica, é uma boa obra, temo que não o lerei novamente tão cedo, mas fica a indicação e a reflexão sobre certos assuntos.

Com carinho, Malu, a Traça dos Livros.

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Análise: Ensaio sobre a cegueira



“Quanto aos museus, é uma autentica dor na alma, de cortar o coração, toda aquela gente, gente, digo bem, todas aquelas pinturas, todas aquelas esculturassem terem diante de si uma pessoa a quem olhar. ” (Pág. 232)

Mais uma leitura finalizada e desta vez sem fôlego algum, que livro, senhoras e senhores! Esse é um tipo de livro que te transporta para dentro daquele universo, é perturbador, complexo e arrebatador, você não consegue sair da leitura e não quer pará-la, quer ver o desdobramento de toda a história. Vale cada página de leitura se quiser se aventurar em algo tão denso como Saramago.

Fazendo um breve resumo da obra, a literatura fantástica de Saramago trás para nós, leitor, uma epidemia diferente. Um certo dia, as pessoas começaram a ficar cegas. Uma cegueira sem precedentes e branca feito leite, nada sabia sobre seu início e muito menos que proporção ela se tornaria. Nas primeiras semanas, os grupos que apresentavam tal cegueira foram levados para uma espécie de manicômio para ficarem em quarentena até que providencias pudessem ser tomadas e assim que nossa história se desenvolve.

Não podemos falar dessa história sem falar dos personagens, pois são eles que fazem tudo acontecer dentro da obra. Um dos primeiros casos de cegueira foi um médico oftalmologista, ao ser levado, sua esposa, de forma audaciosa se infiltra no manicômio junto de seu marido, alegando também estar cega quando na verdade era a única do local que conseguia enxergar. Eis o ponto principal – acredito eu – da história, a responsabilidade de enxergar em um mundo de cegos.

A história, de forma completamente fantástica, vai se desdobrando em muitas desgraças e momentos perturbadores, você se envolve muito rapidamente na história que te promove sensações diversas. O livro possui um estranhamento típico entre os leitores de Saramago que é a estrutura única de pontuação, paragrafação, etc., mas para mim, esse estilo (novo, pois foi meu primeiro Saramago lido) foi muito envolvente, outro ponto é a ausência de nome nos personagens que são diferenciados pelas suas características, mas é entendível aos poucos uma vez que estão cegos, não era preciso nomeá-los.

Não sei se vocês já assistiram ao filme “Mother! ” Do Darren Aronofsky, mas o que eu senti assistindo esse filme foi o mesmo de ler esse livro, é ficar preso a um mundo único e ao mesmo tempo ficar sem folego por tudo que está ocorrendo. Preciso falar sobre a minha cena favorita da história, o momento que a esposa do médico entra em uma igreja e todas as imagens santas estão com vendas brancas, colocadas por alguém que ela supôs ter perdido todas as esperanças e naquele momento ela se sente mais cega do que todos mesmo enxergando, uma vez que ninguém pode vê-la. Achei genial.

É necessária uma leitura como essa em momentos tão incertos como agora, que estamos vivendo, não uma cegueira biológica, mas sim ideológica, política, cultural cujo aqueles que ainda podem “ver” precisam acarretar responsabilidades e conseguimos enxergar o interior de cada um, o verdadeiro eu das pessoas em momentos assim. “Algum desses cegos não são apenas dos olhos, são cegos de entendimento. ” (pág. 213). Talvez o mundo sempre esteve cego, e se a cegueira lhe convém, continue. Caso contrário, abra os olhos.

“Falas como se também tu estivesses cega, disse a rapariga dos óculos escuros, De uma certa maneira, é verdade, estou cega da vossa cegueira...” (Pág. 283) #EleNão

Com carinho, Malu, a Traça dos Livros.

sábado, 13 de outubro de 2018

Minhas leituras Virginianas



“Não quero ser célebre nem grande. Quero avançar, mudar abrir meu espírito e meus olhos, recusar ser rotulada e estereotipada. ”

Depois de ler alguns dos seus romances, nada mais justo ler a sua própria biografia. Dessa vez reuni dois livros: “As mulheres de Virginia Woolf de Vanessa Curtis e “Virginia Woolf, Biografia” de Alexandra Lemasson, duas leituras que abriram meus horizontes sobre a obra dessa autora e que vão fazer toda a diferença no futuro.
Eu já tinha esta biografia de bolso da Virginia, mas não tinha achado a melhor oportunidade para ler, o momento chegou um dia perambulando a biblioteca da minha faculdade, sem querer achei “Mulheres de Virginia Woolf” numa estante e me empolguei de ler sobre a vida dessa autora que está conquistando muito meu coração e estante.

Primeiro vou falar do livro da Vanessa Curtis, e já posso começar dizendo, que trabalho mais delicado e minucioso! Pois se trata de uma biografia de Virginia, mas com a ênfase nas mulheres que passaram por sua vida e, de certa forma, contribuíram para a vida dela e sua obra. A autora traçou uma linha do tempo de acordo com cada capítulo que era dedicado a uma figura feminina ligada a Virginia, desde sua mãe, avô, irmã, companheiras até a própria Virginia. Tudo narrado com muita precisão, técnica e esmero, um livro realizado com maestria, um estudo detalhado e maravilhoso, que te envolvia e emocionava, pois, cada passo que você lia sobre certa mulher, mais você conhecia Virginia.

Outro aspecto que me chamou muita atenção e que sempre vou me recordar é como as histórias de Virginia com certas personagens femininas estão ligadas aos seus romances. Sempre soube que Orlando foi uma homenagem a Vita Sackville-West que foi sua grande amiga e amante, mas é muito interessante ver os aspectos diversos em outros personagens, como a figura de sua mãe na Sra. Ramsay de Passeio ao farol e como sua irmã Vanessa é homenageada em Noite e Dia pela figura da protagonista Katherine. Essas mulheres não só influenciaram sua vida, mas como também foram cruciais para seu desenvolvimento como escritora, e conseguimos enxergar como, de certa forma, Virginia se sentia grata por isso através de seus romances, como se eternizasse para sempre aquelas que tanto amou.

Quando comecei a leitura de sua outra biografia, a experiência foi extremamente diferente, mas o resultado foi igual. Como é incrível, história é igual, mas contada de formas completamente diferentes. No caso da biografia de Alexandra Lemasson, tudo é retratado de forma, podemos dizer, “romanceada”. É como se estivéssemos mergulhados em uma narrativa de uma bela e trágica história de uma mulher predestinada a ser extraordinária, chega a ser idealizado o retrato de Virginia Woolf dentro da história, como uma pessoa perfeita com suas imperfeições, soa ambíguo, mas lendo este livro se torna sensato.

Não posso dizer que não gostei de ter lido, pois eu gostei bastante, só tive uma visão um pouco nebulosa dos fatos, tudo parecia muito perfeito e preciso, como se tivesse maquiagem nos momentos que sabemos que na vida de Virginia foram muito conturbados e o fato de não ter uma ordem cronológica, tudo parece montado de forma desordeira e confusa, cheio de elogios à vida da autora, como se tudo que foi trágico parecesse atos românticos e artísticos, chega a ser um pouco plastificado, mas a essência é a mesma do livro de Vanessa Curtis, retratar a vida dessa autora.

Finalizando, me sinto cada vez mais íntima da literatura de Virginia Woolf, parece que de pouco a pouco estou conhecendo as nuances e os detalhes desta mulher tão magnifica. De agora em diante, nunca mais as leituras serão as mesmas, pois sempre terei novas visões por conhece-la melhor a partir dessas biografias. Virginia Woolf cada vez mais está ganhando minha vida e se tornando uma das minhas autoras favoritas.

“Para Virginia, se a felicidade existe, ela só pode ser literária. ” (Pág. 41)

Com carinho, Malu, a Traça dos Livros.

terça-feira, 2 de outubro de 2018

Análise: Grandes Esperanças



Chega a ser difícil saber por onde começar a análise desta obra, realmente, não é à toa Grandes Esperanças ser considerado o Magnum oppus de Charles Dickens, e nada como começar um desafio literário com um livro que, com certeza, irei levar por toda minha vida.
Ano passado – quase que na mesma época – eu li “Oliver Twist”, um título muito conhecido do autor. Tive impressões muito positivas, mas também muitas dúvidas, pareceu-me que o estilo de Dickens não tinha sido compreendido por mim naquela leitura, mas a vontade de continuar lendo obras dele persistiu e chegou o dia que um novo livro dele surgiu em minha vida. Comecei um novo desafio literário sobre literatura inglesa, para me engajar mais e foi gratificante iniciar com este livro magnífico.

Então vamos a história, o que o autor trabalha sobre todo o arco do romance é a questão da redenção moral, e é a partir disto que discutiremos toda a história. Grandes Esperanças apresenta um narrador contando suas memórias da vida jovem, o narrador conta sua própria trajetória, a trajetória de Pip. Um garoto órfão que vivia em Essex junto de sua irmã mais velha e seu cunhado, um ferreiro, fadado a viver aquela vida dura como aprendiz e tudo começa a se agitar a partir do seu encontro com Magwtich, um fugitivo da prisão cujo Pip presta auxílio. A partir dali grandes expectativas vão rodear o menino.

Pip era um menino muito sofrido e humilde, junto com seu cunhado, Joe Gargery, tinha uma grande amizade e sabia que seguiria a profissão dele. Naquela época, uma mulher começa a pedir os serviços de Pip para entretê-la com uma brincadeira de criança, esta era a Sra. Havisham, uma mulher fina e rica, mas ao mesmo tempo muito complexa e amarga. Com ela, vivia Estella, uma garota que foi agraciada com a adoção e que foi a grande amor de Pip desde o primeiro momento. Todavia, Stella se mostra ser o pior tipo de pessoa, uma menina completamente mesquinha e esnobe, moldada para ser fina e detestável.

Este contato com a fina família da Sra. Havisham começa a despertar muita vergonha de Pip sobre si mesmo e suas condições, por muitos momentos ele é rebaixado e o próprio se coloca nessa posição muitas vezes, assim, começa dentro de si criar um desejo de não seguir o que o destino lhe estava guardado. Eis que grandes esperanças aparecem sobre ele, um senhor anônimo lhe concede sua fortuna para que ele se torne um cavalheiro, assim toda sua antiga vida seria deixada para trás e ele viveria em Londres, com as condições necessárias para se transformar em um ser da elite.

Em Londres, temos a gradativa decadência moral de Pip. Envergonhado pelo seu passado e pelas pessoas que viviam neste passado, a busca de subir na vida que gerou inúmeras dívidas e seu amor completamente despedaçado pela maldosa Estella. Mesmo criando laços com amigos honestos, Pip se vê em Londres completamente perdido, o meio o modifica e temos seus valores colocados a prova e suas esperanças sendo perdidas. Vemos que Dickens colocou o espaço como um fator de corrosão dos personagens, o meio fez eles sucumbirem à degradação, um dos tons críticos do autor que passam despercebidos as vezes.

Já na terceira parte do livro, a redenção começa a ocorrer não apenas com ele, mas com muitos personagens como a Sra. Havisham que percebeu que toda a frieza que criou Stella não levou a nada, nem mesmo sua própria mãe adotiva ela conseguia amar, mas no final conseguiu reconciliar com sua família que tanto criticou. Ou Magwtich, que foi de fugitivo da prisão para trabalhador e pagou seus pendentes a sociedade com sua reconciliação e amor de Pip, que esteve com ele até o último minuto. E além disso, Pip também teve sua redenção, desistindo da vida de cavalheiro, ele se tornou um caixeiro viajante e passou o resto de sua vida viajando pelo mundo, retomou laços com Joe e Biddy, amigos fieis até o fim e que Pip se recusava a enxergar e no final temos o seu reencontro com Estella, uma mulher completamente sofrida e arrependida pelo seu passado, todavia não sendo mais possível a reconciliação dos dois, ambos seguem caminhos diferentes.

Dickens nessa obra, traz o mais íntimo do ser humano em cada personagem e constrói um processo – como já dizemos antes – de redenção moral para cada um deles. Temos personagens completamente humanos, pois possuem sentimentos controversos, divididos entre a ingratidão e bondade, corrompidos e arrependidos pelas escolhas que geram um resultado futuro, mas no caminho da evolução. São questões inerentes ao ser humano e que são muito bem tratadas na narrativa nos causando muitas reflexões e até mesmo identificação, será que a busca movida pela ambição realmente vale a pena? A jornada humana é mesmo muito complexa.

Com carinho, Malu, a Traça dos Livros.

terça-feira, 18 de setembro de 2018

20 autores essenciais da língua inglesa, desafio literário



Malu, você não se cansa não? Eu me canso bastante pessoal, mas a leitura as vezes pode ser a melhor forma de descansar e é por isso que estou em mais um desafio literário! A literatura inglesa sempre foi um assunto que me chamou muita atenção e muito dos meus autores favoritos são da Inglaterra (tenho uma paixão particular por esse país), então quis unir o útil ao agradável, buscando alguns dos grandes nomes do cânone inglês e sabendo mais sobre a literatura desse país que tem muito referência.

Através do site “Homo Literatus” selecionei vinte nomes de grandes autores ingleses e vou me propor a ler uma obra de cada um deles, tem nomes que eu não conhecia, outros que eu amo, vai ser divertido demais. Aí vai a lista de nomes:
  • Geoffrey Chaucer
  • Thomas Malory
  • Thomas More
  • William Shakespeare
  • Daniel Defoe
  • Jonathan Swift
  • Samuel Richardson
  • Jane Austen
  • Charles Dickens
  • Irmãs Bromte
  • George Eliot
  • Thomas Hardy
  • Oscar Wilde
  • Henry James
  • Joseph Conrad
  • Virginia Woolf
  • Aldous Huxley
  • George Orwell
  • Graham Greene
  • Anthony Burgess

Esta lista está em ordem cronológica, porém eu não seguirei ordem alguma e assim como o CBC, eu não sei quanto tempo este desafio existirá, pois irá depender dos livros que eu consegui encontrar para leitura, talvez o período da minha graduação inteira, mas ele existirá! Mas Malu, porque você está fazendo isso, porque não autores do seu país? Eu reconheço que temos grandes autores no Brasil, mas gostaria de futuramente (quem sabe estudar a literatura inglesa e por isso quero começar com os grandes nomes, eu sei que faltam alguns, foi difícil para mim discernir todos, mas é só um começo. Para estrear o desafio, estou lendo “Grandes Esperanças” do Charles Dickens, aguardem novas postagens, pois muito chá, livros e Inglaterra serão comentados nesse desafio!

Com Carinho, Malu, a Traça dos Livros.

segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Contos Completos de Virginia Woolf


“A decisão era deixar o mundo melhor do que ela o havia encontrado...” (Pág. 337)

Eu cheguei à conclusão de que não irei descansar até ler a obra completa de Virginia Woolf e dessa vez, escolhi ler seus contos. A reunião de cinquenta contos produzidos durante todo o período de criação literária da autora, é complicado falar sobre um livro com tanto conteúdo uma vez que os contos são diversos, mas posso dizer que se existe algo que pode descrever a produção contista de Virginia Woolf é a preparação.

Digo preparação pois conseguimos captar todos os artifícios presentes em sua obra de forma experimental e também como forma de maturação, conseguimos perceber o progresso da autora em relação à forma, como ela vai aprimorando seu estilo ao passar do tempo e também como certos enredos começaram a ser construídos. Se você ler cada um na sequência, também irá perceber que alguns contos conversam entre si, um personagem de um conto x está presente também no conto y, ou o cenário é sugestivo para um próximo conto, como por exemplo, Kew Gardens é citado em vários contos até ganhar um conto em especial. Eu realmente não sei se a autora tinha alguma intenção com isso, mas quero acreditar que em cada conto ela deixava pistas para os próximos que viriam.

Não posso deixar de mencionar que nossa querida Mrs. Dalloway aparece como personagem já em contos da Virginia Woolf. Sua primeira aparição é no conto “Mrs. Dalloway em Bond Street” e temos como primeira frase deste conto algo muito familiar: “Mrs. Dalloway disse que ela mesma ia comprar as luvas. ” Soa familiar para vocês? Porque para mim, é um tanto quanto, mais uma vez friso na preparação, nesse conto temos uma personagem, um enredo e um estilo sendo criados antes no romance que consagrou a escritora. Mrs. Dalloway pareceu me outros contos também, em especial no conto “A Apresentação” que eu não podia deixar de citar, pois foi o meu primeiro contato com a obra da Virginia, a um ano atrás, na aula de Teoria do Texto Narrativo, posso dizer que este conto é bem especial e particular para mim, pois é minha introdução ao mundo literário de Virginia Woolf, daquele dia em diante eu estaria lendo e mais lendo suas obras.

Agora vou deixar reservado este momento para comentar de dois contos que eu adorei muito! Talvez eles sejam os meus favoritos. O primeiro se chama “ Uma sociedade”, nesse um grupo de mulheres se reúnem e discutem sobre a sociedade que vivem, são mulheres instruídas e com grandes ideias, mas percebem que nunca serão realmente ouvidas na sociedade, temos ali um grande tom de ironia ao falar de temas como a literatura ou o casamento, no final, temos o anúncio da Guerra após o seu término, temos o reencontro destas mulheres depois de tantos anos tentando refletir sobre o que a sociedade se tornou depois da Guerra e o que poderia ser feito para o futuro. Achei esse conto de uma reflexão tremenda sobre a relação da sociedade e a mulher, tal reflexão que se torna atemporal, já que você consegue ter o mesmo questionamento anos depois que o conto foi publicado.

O outro conto que me cativou muito foi o “Lapin e Lapinova”, a história de um casal recém-casado que ao se conhecerem após o matrimonio, Rosalind percebe um gesto diferente em seu marido, seu nariz tremia feito uma lebre e daquele dia em diante, o espírito do casal se transformou em duas lebres em uma floresta apenas deles, Lapin e Lapinova, uma união particular e única deles, o espírito do casamento daquele casal. Passou os anos e um dia Rosalind sente que algo está diferente e inquieto dentro de si, foi naquele momento que ela percebeu que a alma de sua lebre Lapinova se foi e nada mais poderia ser feito. Uma alegoria sobre as relações de amor que são únicas e que um dia podem simplesmente... acabar. Me tocou muito a delicadeza de tudo que passou no conto, no final me via emocionada.

“ ‘É Lapinova...’, balbuciou ela, fitando-o tumultuosamente com seus grandes olhos sobressaltados. ‘Ela se foi, Ernest. Eu a perdi! ’ (...) E esse foi o fim daquele casamento. ” (Pág. 390)

Voltando a falar da forma, não podia deixar de falar sobre o fluxo de consciência, se for falar de Virginia Woolf e não citar este artificio muito bem usado pela autora, seria melhor eu me retirar. Com maestria a autora consegue desenvolver profundos momentos de fluxo de consciência em seus contos, deixo em especial o conto “A marca na parede” que a partir de um dia que uma marca na parede foi vista, inúmeras reflexões são costuradas ao decorrer da narrativa e a marca na parede foi apenas um estopim para aquela história se desenvolver. Ao correr da leitura, vemos como esta técnica foi se aprimorando com o passar do tempo e vestígios dos que seriam os romances publicados da autora já apareciam, como por exemplo o romance “As Ondas” em muitos contos consegui perceber características semelhantes. Mais uma vez caímos na preparação.

Preparação, ao escrever sobre isso me recordei sobre a minha última aula de Consolidação da Literatura Brasileira, estudamos o projeto literário de Machado de Assis e podemos notar que até ele publicar o seu primeiro romance, Machado de Assis passou por uma preparação a partir de seus poemas, contos, crônicas, ensaios até publicar Ressurreição e seus outros romances, houve um processo de reflexão e maturação que o fez ser o que até hoje estudamos. Quero crer que o mesmo houve com Virginia Woolf, um processo de aprimoramento e preparação para o que iria vir, seus romances que até hoje são clássicos da literatura. Agora saindo (não completamente) do universo da literatura, para criar um projeto de vida é necessário tempo e reflexão, do mesmo jeito que meu professor citou em sala de aula, é necessária uma preparação para aquilo que ainda virá, quando penso que tinha um sonho de ser escritora, como isso foi ingênuo, mas ao mesmo tempo pretencioso. Tenho dezenove anos, muito tempo ainda me aguarda e muitas reflexões, imagino que estou no caminho, mas ainda muito no começo e quando penso em escrever não me sinto digna o suficiente, parece que me falta algo ao escrever, me falta tempo, me falta amadurecimento, mas estou me preparando para o futuro que me aguarda. Talvez este blog seja minha preparação do meu projeto de vida, quem sabe? Quem sabe no futuro eu não veja este blog com um novo olhar, um olhar maduro e se isso acontecer eu já quero deixar um recadinho para o meu eu do futuro.

“Hey, Malu do futuro, hoje você é apenas um processo, mas tenha muito orgulho da sua jornada, a única coisa que precisa ser é você mesma, da sua maneira, sinta orgulho disso sempre, saiba que para mim você é muito especial e seu projeto será ótimo a sua maneira, tenha orgulho disso. ”

“Depois que ela aprender a ler, somente numa coisa você poderá ensiná-la a acreditar, nela mesma” (Pág. 182)

Com carinho, Malu, a Traça dos Livros.

terça-feira, 4 de setembro de 2018

Análise: Este Lado do Paraíso, o livro que me dividiu opinões (CBC)

Sim! De agora em diante talvez vocês vejam que eu pego livros na biblioteca da faculdade kkkk


O subtítulo já explica, esse livro dividiu muito as minhas opiniões e pelo o que eu pesquisei em blogs a fora, que também dividiu opiniões dos leitores, bom saber que não fui a única e que as críticas são tão diversas. De todos os livros que li do CBC, este foi o que menos eu gostei e vou explicar o porquê.
Quando li “O Grande Gatsby” eu gostei, porém acredito que não atendeu muito bem minhas expectativas, mas gostei do livro e ocorreu o mesmo agora com este livro do Fitzgerald, talvez pelo nome dele ter tão peso na literatura, eu idealizei um pouco suas obras. Porém, por ser a primeira obra do F. Scott Fitzgerald, ele tem seus (talvez grandes) defeitos.

Mais uma vez, o desafio literário me trouxe um romance de formação. Nessa obra, temos contada a vida de Amory Blaine, um jovem americano abastado, com uma personalidade esnobe e egoísta, que vivia com sua mãe um tanto quanto singular. Basicamente, temos a trajetória de Amory contada pelo decorrer da história que é dividida em duas partes. A primeira é sua juventude, ainda um tanto quanto esnobe e cheio de regalias, muito moldado pela influência materna, porém aos dezesseis anos, Amory vai estudar em Princeton e então começa a aparecer seu desenvolvimento intelectual e também seu caráter. Amory é um personagem muito moldado na vida, então acompanhamos a sua transformação que na primeira parte é um tanto quanto muito maçante! Alerto.

Por alguns momentos pensei em desistir da leitura e agradeço por não ter feito isso uma vez que chegamos a segunda parte do livro. O choque. Então temos Amory já adulto, no começo da vida adulta na verdade, e com ele os vários choques que ocorreram especialmente com ele e no mundo e que, de certa forma, lhe influenciaram muito. Primeiro temos o amor, o começo das desilusões e frustrações e junto disso também temos o trabalho, uma vez que a família de Amory não era mais tão bem abastada como antigamente e para anexar ao turbilhão de mudanças, houve a Guerra, que crucialmente mudaria todos os valores mundiais dali por diante.

Então vemos que a segunda parte temos Amory tentando lidar com todas essas mudanças e também tentando se adequar a elas, uma vez que muitos valores mudaram e ver todas essas questões fez o livro se tornar um pouco mais interessante. Também é muito pertinente colocar na análise é a forma que a história é escrita, pois Fitzgerald mistura alguns gêneros textuais, temos por muitos momentos fragmentos de cartas e poesias e em um determinado momento da história, temos tudo narrado no formato de teatro, o que é muito interessante e instiga a leitura. Por fim, temos Amory seguindo seu caminho e um final deixado em aberto, não sabemos qual foi o final da sua história, se obteve ou não sucesso, se sua essência mudaria, se tornaria um escritor, foi um final bem aberto a possibilidades. O que salienta mais que esta seja uma obra autobiográfica ou pelo menos, baseada em alguns fatos do autor.

Agora uma opinião pessoal, esse livro me dividiu completamente uma vez que, comecei lendo e me arrastei por muito tempo em uma leitura maçante e exaustiva para no final eu ficar triste por ter acabado já que me via completamente atenta a história, querendo saber o final da jornada de Amory, ou seja, talvez um livro assim que me divida tanto mostre realmente que é uma obra fantástica, eis um questionamento que levarei para o futuro...

Com carinho, Malu, a Traça dos Livros.

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

(apenas) Histórias Reais

Na foto, tentei fazer uma releitura da imagem que no livro continha, intitulado "Paisagem vista do quarto"


Antes de começar, quero dedicar esse texto para quem me emprestou o livro e que também me fez ter conhecimento de tal história, o senhor Renan Bolognin (espero ter escrito certo). Obrigada por sempre ser tão solícito e atencioso comigo, e também por me emprestar o livro. Também é legal contar o contexto que me inseri com esse livro, foi ano passado. Como uma boa curiosa, encontrei um minicurso muito interessante em um colóquio na minha faculdade, eis que o palestrante era o Renan, foi quando o conheci e nesse minicurso me interessei muito pelo livro citado da autora Sophie Calle, passou meses e reencontrei Renan e ele lembrou que eu havia gostado do enredo, mas infelizmente não tinha lido ainda. Essa semana, na Jornada de Letras, fui a um novo minicurso ministrado pelo Renan e pelo meu querido Nicolas Neves e dessa vez, consegui pedir emprestado o exemplar e assumo, li em menos de duas horas. Obrigada mesmo, Renan!

Em meio das minhas leituras acadêmicas – que me fizeram ficar um pouco ausente do blog -, decidi dar um espaço para esse livro e para a minha surpresa eu li o livro todo em apenas uma hora. Chegou ao ponto que tive que reler durante a noite, pois temia ter perdido algum detalhe, mas na verdade acho que eu estava precisando de um novo panorama nas minhas leituras. Mais uma vez eu estou lendo um livro contemporâneo e isso me faz muito bem, pois muda os meus ares no meio de tatos clássicos que ando lendo ultimamente. Em resumo, a leitura tão rápida foi cheia de emoções.

Para falar sobre “Histórias Reais” é preciso falar sobre a autora, Sophie Calle é uma fotógrafa e artista que pauta sua criação artística de acordo com momentos ou fatos que ocorrem em sua vida e suas reações. Podemos dizer que é um título bem autoexplicativo, mas basicamente a obra se consiste breves relatos cotidianos da narradora, acompanhado com uma fotografia que representa o que foi escrito. O tema varia, desde momentos da infância da autora, momentos com sua avó ou até uma coleção de breves relatos de sua vida com seu ex-marido.

O que realmente me prendeu nessa história é a forma tão singela e fluida de contar sobre a vida, acompanhados das fotografias somos inseridos no universo da autora, sendo reais os fatos ou não, a história nos prende, talvez esta seja a razão de eu ter lido tão rápido, cada página era uma história nova para descobrir, rir, se emocionar ou simplesmente ficar sem palavras e são apenas histórias reais. Como esta, que para mim, foi a minha favorita:

“A xícara
Sua inteligência me deixava paralisada. Le me convidou para almoçar. A alegria que senti só de pensar nisso foi acompanhado por um certo desconforto: o temor de não estar à altura. Para me preparar, perguntei a ele sobre o que iríamos conversar. Um exercício que eu sabia ser tão tolo quanto inútil, mas que me deixava mais tranquila. A queima-roupa, D escolheu o tema: ‘o que faz você acordar pela manhã? ’ Passei a semana toda pensando e estabeleci várias respostas. Chegado o dia, lancei imediatamente a pergunta para ele, que respondeu: ‘O cheiro do café’, e mudamos de assunto. Ao final da refeição, o café foi servido, e roubei a xícara como uma lembrança. ” (Pág. 53)

O que mais me encantou nessa obra além das histórias contadas é a coragem da autora de colocar a sua vida como um livro, são situações tão cotidianas e ao mesmo tempo muito pessoais, mas foram estampadas para nós leitores. Sempre temo quando escrevo de tornar minha escrita pessoal e de me expor dessa maneira chega a ser, para mim, assustador. Todavia, para a autora vulgo artista, é algo que faz parte do seu show, da sua arte e todo tipo de arte é muito bem-vinda, gostaria de ter esse tipo de coragem.

Se um dia algum de vocês cruzarem com o caminho desta obra ou de qualquer trabalho de Sophie Calle, vale a pena a atenção.

Com carinho, Malu, a Traça dos Livros.

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Análise: As Horas




Mais uma vez Virgínia Woolf será citada no blog! Acho que vou criar um espaço apenas para ela pelo tanto que ando lendo obras dela ou sobre ela, mas acredito que é uma fase minha, mas assumo que está sendo uma fase maravilhosa.
“As Horas” foi publicado por Michael Cunningham em 1998, já pelo título podemos notar a presença da obra da Virgínia na narrativa. Para quem não sabe, o romance – acredito eu – mais conhecido da autora, “Mrs. Dalloway”, iria se chamar As Horas, não sei por que razões a autora mudou o nome do romance – que bom! – Este título não parece captar a essência da história, mas no romance de Cunningham ele é preciso.

O romance conta três histórias paralelas, a primeira narra a própria Virginia Woolf no seu processo criativo de Mrs. Dalloway, não apenas como a história foi criada, mas também como sua vida pessoal refletia ao criar a história (tudo isso na visão do autor). Outra história paralela é a história da Laura Brown, uma mulher americana da década de 1950 que está lendo “Mrs. Dalloway”, então temos as impressões dela sobre o romance e como ele a afeta diretamente em sua vida. O terceira e última história é a de Clarissa Vaugham, uma mulher que vive em Nova York no final dos anos de 1990, nesse caso temos uma releitura mais contemporânea – podemos dizer assim – naquele dia de julho, Clarissa, que é chamada pelo melhor amigo de Mrs. Dalloway, fará uma festa para o mesmo que ganhará um prêmio, Richard foi seu amigo por muitos anos e chegou a ser seu grande amor, naquele dia Clarissa terá muitas reflexões sobre sua vida, igual o romance de Virginia.

A temática do romance se mostra simples, assim como os romances de Virginia, o diferencial está na linguagem mesmo. O autor usa os artifícios de digressão e fluxo de consciência constantemente e de uma forma muito correta, é muito interessante perceber como as histórias tecidas na narrativa estão ligadas de uma forma muito peculiar. Devo frisar que o final deste livro é surpreendente e o faz ser uma ótima leitura! É nesse momento que vemos como realmente as três histórias estão completamente ligadas e como uma influencia a outra, achei o final fantástico.

Todavia, não vou dizer que foi uma leitura espetacular ou que irei recomendar este livro para todos. Sim, ele é muito interessante, mas se notarmos que ele já possui um romance como base para a narrativa, a mesma ainda se mostra muito falha. Acho que o autor pecou um pouco em escolher dar foco em uma história mais do que a outra, não é algo uniforme e eu, como uma grande admiradora da Virginia Woolf e que procurei a história por causa dela, acho que faltou muito a ser trabalhado sobre a autora inglesa e suas influencias com “Mrs. Dalloway”, muitos detalhes foram deixados para trás e com o autor já tinha meio trabalho feito por recriar uma nova visão do romance, acredito que faltou algo a mais para o livro ser fantástico.

Entretanto, recomendarei sempre a adaptação do cinema deste livro, protagonizado por Meryl Streep, Nicole Kidman (inclusive a interpretação dela lhe garantiu um Oscar) e Juliane Moore, não tinha como ficar ruim, pelo contrário, o filme dá a visão que complementa o livro, acredito que é um dos filmes que mais gostei de ver, deixarei o trailer por aqui (clique no hiperlink).

Nesta fase que estou, descobrindo a literatura tão única e incrível de Virginia Woolf, nada mais do que justo conhecer novos olhares sobre essa autora que vem me cativando muito. Mais leituras dela em breve!

Com carinho, Malu, a Traça dos Livros.

terça-feira, 14 de agosto de 2018

Análise: A Metamorfose de Kafka



“Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. ” E assim que somos introduzidos a este ilustre clássico da literatura mundial.

Antes de começar a falar da história, queria falar sobre ler os clássicos. Acredito que as leituras de certos clássicos são inevitáveis e elas acontecem no momento certo da sua vida, não adianta programar, um clássico entra na nossa vida quando precisamos dele. No meu caso, não planejava ler Kafka nesse momento, conhecia o enredo, mas tinha a intenção de nas férias ler este livro. Foi então que, arrumando a estante de livros do consultório da minha mãe, encontrei uma edição muito bem conservada e linda, com a primeira tradução feita do alemão para o português. Não pensei duas vezes em “pegar” este livro para mim e levar para minha estante, então tive a oportunidade de devorar estas páginas com uma viagem que fiz a São Paulo recentemente. De fato, os clássicos aparecem no momento certo.

 A análise deste livro vai ser tão breve como suas palavras, mas ao mesmo tempo precisa. A narrativa de Kafka não se estende muito, mas é necessária que não se estenda uma vez que é o suficiente para te dar nós no estômago. Desde as primeiras frases onde o narrador começa a descrever a transformação de Gregor em barata, posso dizer que já causa um desconforto ao ler e esta mesma sensação se estende por toda a leitura, ela não fica apenas na descrição do personagem, se estende para todo o contexto da obra.

Sim, é uma obra que causa muito desconforto, pois a metamorfose de Gregor em barata não causa apenas mudanças físicas, mas psicológicas em todos os personagens que vivem junto dele, vemos a degradação do ser humano sendo exposta na forma de barata dentro daquela casa que se torna um ambiente hostil, assim, – acredito eu – nos apresentando um retrato da sociedade. Ao ler Kafka me lembro muito de Camus, pois somos comovidos pela desgraça de seus protagonistas e somos colocados em reflexão sobre assuntos inerentes ao ser humano, como por exemplo a miséria humana.

Quero salientar o retrato do pai, após ler “A Metamorfose” fui pesquisar mais sore o autor e Kafka tem com seu pai uma relação muito conturbada que é estampada nesta obra – assim como em outras também – e as posturas que o pai exerce dentro desta história são muito importantes para os destinos dos personagens que são filhos. Kafka usa muito esta relação turbulenta como eixo de discussões.

Por fim, a morte aparece como um acalento para aquela família condenada pela metamorfose de Gregor. É triste pensar por esse lado, esperar a morte como uma esperança para a vida já tão destruída, algo muito pessimista, mas preciso, mais uma vez repito, a obra de Kafka é uma leitura precisa, mesmo que isto te revire o estômago e lhe cause mal-estar, é necessário entender a metamorfose como uma saga que a recompensa é a morte nesse mundo tão doentio.

Com carinho, Malu, a Traça do Livros.