quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Análise: Morte em Veneza, o encontro do apolíneo com o dionisíaco




Eu particularmente sempre tive muita vontade de ler esse livro e nunca encontrava um exemplar, eis que o dia chegou e em minhas mãos comecei a ler, foi incrível a experiência que em nenhum momento me decepcionou, só me dava mais vontade de ler, não foi à toa que acabei em dois dias. Para iniciar minha leitura de Thomas Mann, um autor laureado com um Nobel de Literatura, esse livro foi muito satisfatório.

Esse livro é tão incrível que não estou sabendo bem como começar a abordar tudo que quero nesse post do blog. Primeiramente, temos um narrador muito descritivo contando a história de Gustav Von Aschenbach, um escritor famoso e que busca nova inspiração para sua nova obra, uma vez que se vê sem motivações. Durante um passeio de trem em Munique, Aschenbach se depara com uma figura estranha e horrenda que o faz refletir sobre sua estadia na cidade e conclui que deveria procurar um outro lugar para se inspirar. Veneza.
Veneza, uma cidade toda bela e poética e que ao mesmo tempo é pútrida e doente, um contraste de sensações no mesmo espaço. Temos aqui uma definição proposta por Nietzche, cujo Thomas Mann se inspira ao construir a narrativa, o domínio de dois tópicos completamente opostos dentro da arte, o apolíneo e o dionisíaco. O apolíneo é mais voltado a razão, sobriedade e retidão, enquanto o dionisíaco explora a sensibilidade, emoção e movimento. Vamos perceber que ao longo da história o contraste dessas duas formas será apresentado ao decorrer do enredo, uma figura dionisíaca sobrepondo-se a uma figura apolínea.

Já que estamos falando de Veneza, é necessário falarmos do título, “Morte em Veneza” já deixa mais do que explícito o que irá acontecer durante a história e temos nessa narrativa vários prenúncios de morte. São figuras que irão representar a morte ao decorrer do livro, podemos perceber isso na figura do homem horrendo no trem de Munique e também na chegada de Aschenbach em Veneza – retomando a história – na figura de um barqueiro que trazia consigo um aspecto fúnebre dentro de sua gondola, podemos dizer que o mesmo poderia ser uma representação de Caronte, o barqueiro do inferno de Hades. Temos um diálogo entre eles cheio de subliminaridades e um clima denso, realmente um prenúncio de morte. E ao longo do enredo, outros mensageiros da morte irão aparecer.

“- Quanto cobra pela viagem?
Olhando por cima dele, o gondoleiro respondeu:
- O senhor pagará. ” (Pág.112)

Não pode ser deixado de falar do encontro mais marcante dessa história, o encontro de Aschenbach e Tadzio. Um jovem de quatorze anos extremamente belo, tão belo e perfeito a ponto de fazer Aschenbach se apaixonar perdidamente, uma forma platônica de amor, beirando ao homoerótico que fez de tal ficção a inspiração para o autor escrever. Tadzio é a representação do belo e irracional (dionisíaco) se encontrando com o estável e racional presente em Aschenbach (apolíneo). Essa forma platônica de amar trará uma transformação na forma de viver do escritor que começará a modificar certos hábitos teus e de certa forma, perseguir tal menino como que se sua vida dependesse disso. O ponto de tal obsessão é tanto que temos um diálogo de Platão e Fedro transcrito na história, no sonho de Aschenbach como representação do platonismo romântico dentro desta relação.

“ ‘Não deve sorrir assim! Ouça, não seve sorrir assim para ninguém! ’ Atirou-se sobre um banco, respirou indignado o perfume noturno das plantas. E, inclinado para trás, de braços pendentes, dominado e sentindo-se percorrido por arrepios, murmurou a eterna fórmula do anseio – aqui impossível, absurdo, abjeto, ridículo e, no entanto, sagrado, digno mesmo, ainda aqui: ‘Eu te amo! ’” (Pág. 145).

Como já havia dito anteriormente, a morte está presente em todos os momentos da narrativa, uma epidemia de cólera assombra Veneza e junto com sua loucura por Tadzio, temos o protagonista sucumbido por tudo isso em um desfecho cru, mas preciso, somos envolvidos tão bem sobre esta escrita descritiva e musicalizada que um vazio existencial ocorreu após terminar de ler a última linha. Com certeza irei ler outros livros do Thomas Mann em breve, assim que conseguir ter algum em mãos e indico também o vídeo do programa “Literatura Fundamental” sobre este livro, traz discussões incríveis e que te fazem querer ler mais sobre este autor. Incrível!

“A felicidade do literato é o pensamento que é todo o sentimento; é o sentimento que consegue tornar-se todo pensamento. ” (Pág. 138)

Com carinho, Malu, a Traça dos Livros.

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