quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Análise: A outra volta do parafuso e meu leitor misterioso




Esperei a febre do mês de outubro passar, quase todos os canais e blogs que conheço enfatizaram muito a temática do Halloween e de histórias de terror, mistério e morte para enfim ler esse clássico da literatura inglesa. Além disso, foi meu primeiro contato com Henry James, um escritor inglês muito renomado (desafio dos 20 autores) e que eu estava ansiosa para conhecer, não me decepcionei, o resultado dessa leitura foi incrível!

Vamos começar falado do título, em inglês o conto chama “The turno of the screw” e conseguimos entender o porquê deste título a partir do desenrolar da história. Começamos com um clássico dos contos de terror, pessoas reunidas contando histórias horripilantes, até que um dos ouvintes alega ter uma história aterrorizante, a mais aterrorizante de todas e que envolviam duas crianças, ele conta a história de uma mulher que não sabemos o nome, a partir das suas anotações que foram confiadas a tal narrador. Então começamos a saber a história pelo ponto de vista dela.

Uma jovem mulher, filha de um pároco, que buscava um emprego digno e se deparou com um belo homem cujo à primeira vista se viu atraída, o mesmo tinha uma proposta para ser uma governanta no interior do país, para seus dois sobrinhos cujo tinha a tutela, ao aceitar a proposta, ela devia estar ciente que o mesmo não queria contato com as crianças, a nova governanta não poderia escrevê-lo, pois não era do seu interesse saber sobre as crianças e ficava na responsabilidade dela resolver os problemas que poderiam aparecer. Ainda envolvida por ele, a jovem aceita o emprego e vai para a casa em Bly.

Primeiramente, ela conhece Flora, uma menina linda e adorável que logo tem toda a sua empatia. Posteriormente ela veio a conhecer Miles que, estranhamente foi expulso do colégio interno por má conduta, mas ao conhece-lo percebe que ele era o contrário disso, além de extremamente belo, era simpático e inocente, ou seja, a moça logo tem total amor pelas duas lindas crianças e tudo parecia ser belo aos seus olhos nesse novo emprego.

Então, eis que as complicações começaram a aparecer. A tal jovem começa a ver o fantasma de duas pessoas, a antiga governanta da casa e o mordomo, ambos mortos antes dela chegar em Bly, o mesmo casal tinha um caso escandaloso pela casa e a jovem começa a acreditar que não é a única que pode vê-los, as crianças também podiam e começa então querer a qualquer custo protegê-las e faze-las confessar que também viam tais fantasmas. Es que o título se faz pertinente. Todavia, esse excesso de proteção e convicção de seus atos levará a uma desgraça no final, leiam a história e ficarão completamente sem rumo com o final que tudo levará.

Como sempre, eu nunca deixo os detalhes técnicos ou estruturais das obras de lado, mas venho aqui contar uma história um pouco diferente dessa vez. É a história do meu leitor fantasma, cabe bem com a premissa que o livro trazia. Peguei emprestado na biblioteca da minha faculdade o exemplar e posso dizer que algum leitor antes de mim fez anotações e grifos em momentos da história que enriqueceram muito a minha leitura, um leitor fantasma muito atento aos detalhes que me indicava pistas ou sugeria interpretações, muito atento a forma, indicando tempo e espaço com muita rigidez e que me deu uma possibilidade de leitura muito vasta. A este leitor fantasma – cujo tenho quase certeza que se trata de um estudante de letras também – agradeço infinitamente por ter sido tão atento e genial, fez da minha leitura lago muito mais enriquecedor.

Com carinho, Malu, a Traça dos Livros.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Análise: Caim, as múltiplas leituras sobre Deus




“A culpa era da sua cegueira de progenitor a tal, pelos vistos incurável, que nos impede de ver que os nossos filhos, no fim das costas, são tão bons ou tão maus como os demais. ” (Pág. 13).

Novamente – não demorou muito – me aventurei ler um Saramago, acredito que se você procura ler livros desse autor, aconselho começar por essa obra para se familiarizar com a estrutura e estilo. Não me decepcionou nenhum pouco.

A proposta de Saramago para essa obra é trazer uma nova versão de certos acontecimentos bíblicos com o protagonismo do conhecido personagem bíblico Caim. Primeiramente, temos a Criação do mundo com Adão e Eva sendo contada até o momento do pecado original acontecer, após este momento toda a trama será cercada por infortúnios. Para quem desconhece a história e as figuras da trama, Caim foi filho de Adão e Eva que, movido por sua revolta por ser irmão, Abel, ser o escolhido de Deus acaba o assassinando e sendo amaldiçoado por Deus.

“Era eu o guarda-costas de meu irmão, mataste-o, assim é, mas o primeiro culpado és tu, eu daria a vida pela vida dele se tu não tiveste destruído a minha...” (Pág. 34).

O autor traz para o leitor uma visão da vida de Caim após este infortúnio. Caim foi amaldiçoado com a imortalidade e teria que vagar pelo mundo sem poder ser morto, na primeira cidade que para, conhece Lilith que viria ser sua mais profunda amante a quem chegará até a ter um filho. Tratar de Lilith, uma personagem um tanto quanto excluída dos pensamentos religiosos é um tanto quanto polêmica e percebemos que é isso que o autor quer, trazer uma nova versão dos acontecimentos bíblicos de forma polêmica, mas também muito reflexiva.

Todavia, Caim não permanece apenas nos braços de Lilith, se torna um homem errante que vagava pelo mundo e que começou a presenciar muitos momentos que são citados na bíblia e temos, durante a narrativa, o seu ponto de vista sobre tudo que estava acontecendo. Caim via a fúria de Deus sobre os homens e também as ações tenebrosas do homem em nome de Deus e questiona isso a todo momento. Caim encontra Abraão a ponto de sacrificar o próprio e único filho, Isaac, para provar sua fé, vê a destruição da Torre de Babel pelo desagrado de Deus ou a destruição dos povos de Sodoma e Gomorra que foi reduzido a cinzas pela ira de Deus, tudo muito questionado e refletido por Caim, que cada vez mais se vê descontente ou revoltado com essas atitudes perante o mundo.

“A história dos homens é a história dos seus desentendimentos com Deus, nem ele nos entende a nós, nem nós o entendemos a ele...” (Pág.88).

Temos um final surpreendente na história, no momento do dilúvio e a arca de Noé, um desfecho de tirar o fôlego, bem ao estilo de José Saramago! Que em nenhum momento nos decepciona com seu enredo instigante e sua estrutura única. Sou uma pessoa católica e que sempre ouvi tais histórias, mas desde sempre gostei muito de ler histórias que confrontam certos dogmas da instituição, isso não me faz me afastar, pelo contrário, me faz refletir sobre o meu papel nela, algo saudável e construtivo, sempre é muito bom ouvir todos os lados de um fato.

Um fator muito interessante da história também é o uso da ironia, chegando ao ponto de ser até cômico, Saramago expõe mesmo a miséria humana, mas acredito que na verdade, ele expõe o que realmente um humano é, um ser cheio de erros e que de deixar ser movido pelas palavras dos outros, sendo estas palavras como por exemplo, as de Deus. No final, vemos que sempre certas ações humanas não são muito de livre-arbítrio, fica então a reflexão.

Com carinho, Malu, a Traça dos Livros.

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Análise: Morte em Veneza, o encontro do apolíneo com o dionisíaco




Eu particularmente sempre tive muita vontade de ler esse livro e nunca encontrava um exemplar, eis que o dia chegou e em minhas mãos comecei a ler, foi incrível a experiência que em nenhum momento me decepcionou, só me dava mais vontade de ler, não foi à toa que acabei em dois dias. Para iniciar minha leitura de Thomas Mann, um autor laureado com um Nobel de Literatura, esse livro foi muito satisfatório.

Esse livro é tão incrível que não estou sabendo bem como começar a abordar tudo que quero nesse post do blog. Primeiramente, temos um narrador muito descritivo contando a história de Gustav Von Aschenbach, um escritor famoso e que busca nova inspiração para sua nova obra, uma vez que se vê sem motivações. Durante um passeio de trem em Munique, Aschenbach se depara com uma figura estranha e horrenda que o faz refletir sobre sua estadia na cidade e conclui que deveria procurar um outro lugar para se inspirar. Veneza.
Veneza, uma cidade toda bela e poética e que ao mesmo tempo é pútrida e doente, um contraste de sensações no mesmo espaço. Temos aqui uma definição proposta por Nietzche, cujo Thomas Mann se inspira ao construir a narrativa, o domínio de dois tópicos completamente opostos dentro da arte, o apolíneo e o dionisíaco. O apolíneo é mais voltado a razão, sobriedade e retidão, enquanto o dionisíaco explora a sensibilidade, emoção e movimento. Vamos perceber que ao longo da história o contraste dessas duas formas será apresentado ao decorrer do enredo, uma figura dionisíaca sobrepondo-se a uma figura apolínea.

Já que estamos falando de Veneza, é necessário falarmos do título, “Morte em Veneza” já deixa mais do que explícito o que irá acontecer durante a história e temos nessa narrativa vários prenúncios de morte. São figuras que irão representar a morte ao decorrer do livro, podemos perceber isso na figura do homem horrendo no trem de Munique e também na chegada de Aschenbach em Veneza – retomando a história – na figura de um barqueiro que trazia consigo um aspecto fúnebre dentro de sua gondola, podemos dizer que o mesmo poderia ser uma representação de Caronte, o barqueiro do inferno de Hades. Temos um diálogo entre eles cheio de subliminaridades e um clima denso, realmente um prenúncio de morte. E ao longo do enredo, outros mensageiros da morte irão aparecer.

“- Quanto cobra pela viagem?
Olhando por cima dele, o gondoleiro respondeu:
- O senhor pagará. ” (Pág.112)

Não pode ser deixado de falar do encontro mais marcante dessa história, o encontro de Aschenbach e Tadzio. Um jovem de quatorze anos extremamente belo, tão belo e perfeito a ponto de fazer Aschenbach se apaixonar perdidamente, uma forma platônica de amor, beirando ao homoerótico que fez de tal ficção a inspiração para o autor escrever. Tadzio é a representação do belo e irracional (dionisíaco) se encontrando com o estável e racional presente em Aschenbach (apolíneo). Essa forma platônica de amar trará uma transformação na forma de viver do escritor que começará a modificar certos hábitos teus e de certa forma, perseguir tal menino como que se sua vida dependesse disso. O ponto de tal obsessão é tanto que temos um diálogo de Platão e Fedro transcrito na história, no sonho de Aschenbach como representação do platonismo romântico dentro desta relação.

“ ‘Não deve sorrir assim! Ouça, não seve sorrir assim para ninguém! ’ Atirou-se sobre um banco, respirou indignado o perfume noturno das plantas. E, inclinado para trás, de braços pendentes, dominado e sentindo-se percorrido por arrepios, murmurou a eterna fórmula do anseio – aqui impossível, absurdo, abjeto, ridículo e, no entanto, sagrado, digno mesmo, ainda aqui: ‘Eu te amo! ’” (Pág. 145).

Como já havia dito anteriormente, a morte está presente em todos os momentos da narrativa, uma epidemia de cólera assombra Veneza e junto com sua loucura por Tadzio, temos o protagonista sucumbido por tudo isso em um desfecho cru, mas preciso, somos envolvidos tão bem sobre esta escrita descritiva e musicalizada que um vazio existencial ocorreu após terminar de ler a última linha. Com certeza irei ler outros livros do Thomas Mann em breve, assim que conseguir ter algum em mãos e indico também o vídeo do programa “Literatura Fundamental” sobre este livro, traz discussões incríveis e que te fazem querer ler mais sobre este autor. Incrível!

“A felicidade do literato é o pensamento que é todo o sentimento; é o sentimento que consegue tornar-se todo pensamento. ” (Pág. 138)

Com carinho, Malu, a Traça dos Livros.

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Análise: A valsa dos adeuses




Assumo, eu não sabia muito bem o que esperar deste livro, talvez eu tivesse medo de colocar muitas expectativas e me frustrar durante a leitura, mas posso dizer previamente que nada me decepcionou. Estou dizendo isso pois esta obra foi especialmente aquela obra que optei por ler devido ao autor. Quando falamos de Milan Kundera, temos “A insustentável leveza do ser” em mente – inclusive é uma obra que eu adorei terlido e que já tem análise no blog – então, já posso alertar a todos, este livro não é “A insustentável leveza do ser”.
Acho que para analisar a história, é preciso salientar o tema principal que constrói tudo que ali está escrito que é a misoginia. Definimos misoginia como a aversão ou desprezo as mulheres, ao longo da narrativa, vamos percebendo aspectos deste tipo de preconceito em ações dos personagens. Milan Kundera, em suas obras, sempre traz assuntos assim e fazem deles planos de fundo críticos muito bem sutis.

Para explicar melhor o conceito, é preciso situar o espaço que a narrativa se encontra. O enredo acontece em uma estação de águas, uma cidade que possui um balneário para tratamentos de saúde por meio de águas termais, nesse caso em especial, o tratamento mais procurado é feito pelo público feminino em busca da cura da infertilidade. Ou seja, a pequena cidade sempre está repleta de mulheres estrangeiras em busca da fertilidade e podemos dizer que isto não é muito de agrado do público feminino local que vê tais mulheres como intrusas de sua cidade, eis que temos um primeiro conflito sutil de misoginia que acontece entre as próprias mulheres.

Uma das enfermeiras desta estação termal é Ruzena, uma bela mulher que compartilha desta aversão pelas estrangeiras em busca de tratamento. Todavia, Ruzena está grávida, chega a ser controverso, em uma cidade que a maior busca é poder conceber, quem concebe é uma enfermeira local, mais uma vez temos o desprezo das mulheres sobre a tal moça. Este é o primeiro retrato que temos a história. Ruzena está supostamente grávida de Klima, um famoso trompetista casado, que se aventurou com a mulher por uma noite apenas. Ao descobrir sobre a gravidez, o mesmo tenta de todas as maneiras convencê-la a abortar. Temos aqui um homem que se acha na capacidade de opinar sobre uma decisão que deveria ser feita pela dona do próprio corpo, a mulher.

Outro panorama interessante de se abordar na narrativa é o arco sobre o personagem do médico ginecologista do local, o Dr. Skreta, um homem com métodos não tão ortodoxos assim para com suas pacientes desesperadas e em busca de terem filhos, podemos ver que nesse caso, o autor mais uma vez critica levemente as tomadas de decisões de um homem sobre um corpo feminino e nesse caso, sem tal conhecimento ou consentimento da mulher. Acredito e, ser algo complicado de se tratar ou expor.

O enredo possui outros arcos, cada capítulo chega a ser cinematográfico pois nos fornece visões de vários fatos e também certa simultaneidade, acredito ser comum na escrita do Kundera, consegui ver muito disso em sua estrutura narrativa. Não irei me atentar em descrever todos os arcos narrativos, pois acredito não ser completamente necessário, mas posso dizer que eles estão muito bem amarrados e no final da história temos tudo completamente ligado e muito bem finalizado a partir de um envenenamento, não darei detalhes para que a curiosidade de todos os leve a ler o livro.

É um bom livro e a leitura é muito bem fluida, mas não é aquela obra magnifica, é uma boa obra, temo que não o lerei novamente tão cedo, mas fica a indicação e a reflexão sobre certos assuntos.

Com carinho, Malu, a Traça dos Livros.