segunda-feira, 23 de julho de 2018

Vamos comprar flores com Mrs. Dalloway



“Mrs. Dalloway disse que ela mesma iria comprar as flores. ” (Pág. 23)

Meu primeiro objetivo de leitura das férias foi concluído com muito louvor! Mais uma vez, Virginia Woolf não me decepcionou, acredito que esta foi a obra mais magnífica dela e como eu havia lido outros romances, não foi uma leitura complicada, na verdade me senti muito familiarizada com a linguagem.

A história trata de um tema bem corriqueiro. Clarissa Dalloway, uma mulher inglesa de classe média, estava preparando uma festa que daria naquele dia, pela manhã decidiu comprar flores e então temos o percurso de Mrs. Dalloway narrado e todos aqueles que passaram por ela.

Em suma, parece um enredo muito comum, mas a forma que ele é escrito que o faz tão grandioso. Ao acompanharmos Mrs. Dalloway a sua compra, entramos profundamente no inconsciente dos personagens no romance, através do artifício literário do fluxo de consciência feito pela autora. O diferencial desta obra está na linguagem, uma vez que todos os personagens são muito bem aprofundados e em Mrs. Dalloway o discurso se torna indireto e livre, ou seja, não sabemos se há um narrador ou um personagem narrando a história, a combinação de tudo isso, junto ao uso do fluxo de consciência, faz com que aja um envolvimento na leitura. Logo, a obra se torna maravilhosa!

Agora vamos falar de Clarissa Dalloway, uma mulher de meia idade, casada com um homem que lhe proporcionou uma grande segurança no ponto de vista social, econômico, etc. Ao ir comprar flores, Clarissa reencontra um personagem muito importante para o desenvolvimento da história, Peter Walsh, um antigo amor de Clarissa que pode ter sido o grande amor de sua vida, todavia Peter não trazia a segurança que ela precisava, mas este reencontro a colocou em reflexão sobre suas escolhas na vida. Também é bom frisar que estes questionamentos se estendem em Peter também, vemos dois personagens separados pelas suas escolhas que pareceram mais sensatas. Clarissa muitas vezes se autocritica ao dizer que ela buscava uma racionalidade e sua essência foi perdida no decorrer do tempo. Podemos ver que não sabemos seu nome de solteira, apenas Mrs. Dalloway, como uma forma de dizer que Clarissa foi perdendo sua identidade. Então temos uma mulher com o peso das suas escolhas sendo colocados a prova em apenas uma tarde, talvez Virginia queria mostrar em Clarissa uma reflexão sobre os caminhos que tomamos que na verdade não eram aqueles que realmente queríamos, colocar a razão na frente da emoção e no final vermos que somos comuns.

Quero destacar uma cena do final do romance (sem spoilers) onde Peter Walsh e Sally Seton - uma mulher que mais jovem despertou a paixão de Clarissa – reparem em como o tempo fez eles mudarem, as convenções sociais, o conforto entre outras coisas, fizeram todos eles se tornarem o que na juventude eles tanto criticavam. Em vários momentos me peguei a pensar sobre minhas atitudes e é nítida a tentativa da autora em fazer seu leitor se identificar com o enredo da história.

“(...) ‘o que importa o cérebro’ disse Lady Rossester ‘quando comparado ao coração? ’

‘Também vou’, disse Peter, mas permaneceu sentado um pouco mais. Que terror é este? Que exaltação é essa? Pensou consigo mesmo. O que é essa exaltação extraordinária que toma conta de mim?

É Clarissa, ele disse. Pois ali estava ela. ” (Pág. 228)


Outro personagem que não pode deixar de ser citado é o Septimus Smith, um personagem que se liga a Clarissa de uma forma indireta. Os dois personagens se comportam como uma forma de “duplo” (personagens que refletem o outro em um enredo), enquanto Clarissa reflete um lado racional e mais polido, Septimus é completamente ligado a emoção e a ao delírio. No momento que os dois personagens se cruzam, descobrimos que Septimus estava seguindo para uma consulta com o psiquiatra. Um homem atormentado pelos fantasmas da Guerra e que está tendo delírios e tendências suicidas, assim que Septimus é descrito no romance, em contraste com Mrs. Dalloway. Na minha opinião, não consigo dissociar estes dois personagens com a personalidade da própria Virginia Woolf, talvez ambos sejam projeções dos seus estados de espírito e esta discussão me daria mais e mais palavras para serem escritas por aqui.

Agora saindo da esfera técnica e entrando na esfera pessoal, em muitos momentos me identifiquei e me emocionei com os diálogos dos personagens, como eles pensavam sobre a própria vida e até mesmo fui pega me questionando sobre o futuro que procuro na minha vida – eu sei, ainda sou muito nova para ficar pensando tanto nisso, mas é preciso pensar. – Acredito que no final, nos tornamos Mrs. Dalloway e esta convenção pode nos transformar em Septimus. Acho que isto faz Mrs. Dalloway ser tão maravilhoso, na verdade não existe palavras para descrever quanto esta história é incrível, ele é pessoal e nos toca de uma forma muito íntima e única, somos tomados por um sentimento de envolvimento que faz o livro ser pequeno, a leitura passa logo e acabamos com um suspiro de satisfação, como foi bom ir comprar flores junto com Mrs. Dalloway.


Com carinho, Malu, a Traça dos Livros.

5 comentários:

  1. Vc é demais.Fez me reviver os momentos e as sensações que senti ao ler esse livro há anos....obrigada, sempre♡

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    1. Nossa tia, que comentário mais lindo! Agradeço mesmo, de coração!!

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  2. Como psicóloga junguiana não consigo evitar a suposição (com base em sua análise) de que Septimus representa o animus de Mrs. Dalloway. Até mesmo da própria autora. Aliás sua descrição do personagem me remeteu ao deus Dionísio, deus do prazer. Fiquei intrigada e definitivamente vou pegar para ler. Gratidão pela generosidade de compartilhar 💓🙏

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    1. Adorei seu comentário, Mari!! Muito obrigada pelo carinho 😊❤️

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