segunda-feira, 29 de abril de 2019

Análise: Retrato do artista quando jovem




“Quero ter nos braços a graça que ainda não apareceu no mundo" (Pág. 268)

Eu sei, fazia um tempo que eu não aparecia por aqui, mas tenho explicações. Desta vez a faculdade não tomou meu tempo e minhas leituras, nesse mês um sonho meu se concretizou, fiz uma breve viagem cujo ainda renderá algumas palavras aqui no blog a acabei ficando para trás em relação as leituras do blog, mas compensarei logo, logo.

Voltei para o Brasil e já decidi me aventurar em um novo mundo, o mundo da literatura irlandesa e – acredito eu – um dos maiores nomes de seu país. James Joyce. Meu primeiro contato com o autor foi na faculdade, na aula de Teoria do Texto Poético, meu professor citou seu nome e lembro claramente dele dizer estas palavras “um leitor de verdade um dia precisará ler um James Joyce, leiam sem medo. ”, eis que aqui estou com minha primeira leitura deste autor, o autor que deu voz a Irlanda.

“Retrato do artista quando jovem” poderia ser categorizado como um “romance de formação”, aquela obra cujo vemos o crescimento do seu protagonista ao lermos cada página e sua evolução pessoal e nesse caso, é nitidamente perceptível os traços de autobiografia do autor acerca dos temas que ele aborda com um êxito sem igual. James Joyce queria dar voz a Irlanda na literatura, claramente vemos que ele conseguiu.

Nesta trama, somos apresentados a Stephen Dedalus (clara referência ao herói da mitologia grega, Dédalo) um garoto irlandês que parte para um colégio interno católico, temos então a construção moral de nosso protagonista sendo moldada a partir dos ensinamentos religiosos ali impostos pela instituição, todavia, quanto mais o tempo passava, a moral e a fé de Stephen vai ser colocada cada vez mais a prova ou em questionamento, questionamentos estes que o mesmo lhe faz a todo tempo.

Stephen terá inúmeras experiências ao decorrer da história, sendo elas sagradas ou profanas e que serão essenciais para sua evolução como homem. Vemos sua relação com a família sendo fortificada, sua perda de fé, seu arrependimento e até mesmo seu temor quanto a religião muito bem retratada. É importante frisar em uma parte do texto no qual Stephen pergunta ao sacerdote sobre o inferno e temos uma descrição de várias páginas sobre o quão terrível e temoroso o inferno é, mostrando claramente como a religião tinha um dom de persuasão e controle, ainda mais naquele país católico como a Irlanda. Temos também discussões políticas a flor da pele sendo ocorrida pelos olhos do protagonista e também os ensinamentos do protestantismo sendo apresentados a ele. Vemos a intenção de James Joyce de nos dar um amplo panorama não apenas do espaço da narrativa, mas também do espaço no qual a Irlanda se inseria.

É necessário ressaltar que existe uma evolução do artista na voz de Stephen, desde o começo temos os seus versos expostos para nós leitores, enquanto lemos sobre sua trajetória. Em Stephen, existe uma vontade ou talvez um grande desejo de eternizar a Irlanda através da literatura, acredito também que este era um desejo de Joyce também, então nosso desfecho mostra que o caminho no qual Stephen optou por seguir seria glorioso no âmbito das artes, uma promessa para a Irlanda, assim como James Joyce. Joyce traz um novo trabalho, procura nos apresentar um novo estilo, trazendo fluxos de consciência constantes e altamente descritivos (lembremos que Virginia Woolf estava fazendo o mesmo estilo, quase que na mesma época lá na Inglaterra, inclusive sua editora recusou a publicar Ulysses) James Joyce nos mostra sua libertação e autonomia e mais para frente lhe renderia grandes êxitos, esta obra é apenas o começo de uma grande trajetória mesmo.

Foi uma experiência incrível e que me instigou muito a querer ler mais sobre este autor, na verdade devo confessar que temia muito seu tipo de literatura, mas após esta leitura, fiquei cada vez mais instigada a ler sua obra, quem sabe em breve teremos uma análise de Ulysses? Seria incrível! Por ora, é isto e devo dizer... uau! Eu estava sentindo falta de escrever por aqui!

Com carinho, Malu, a Traça dos Livros.

segunda-feira, 1 de abril de 2019

Análise: Virginia nos leva Ao Farol




É difícil começar sempre uma análise e quanto mais eu leio os romances de Virginia Woolf, este espírito de captar a essência se torna mais importante e chega a me dar certa ansiedade sobre como começar, uma vez que sua obra é esplendida em todos os sentidos e desta vez somos levados a um passeio ao farol, um fato tão simples primeiramente e que se transforma em uma grande jornada sobre o sentido da vida.

É nítido que estamos lidando com uma literatura suprema, assim como estamos lidando com uma das obras mais bem trabalhadas da autora. Publicado em 1927, “Ao Farol” traz muitas características semelhantes ao seu outro romance, publicado anteriormente, “Mrs. Dalloway”, todavia, temos um certo aprimoramento narrativo acontecendo nesta história e, acredito eu, o ápice deste estilo seria publicado anos depois com “As Ondas” – meu romance favorito dela.

Temos um enredo considerado simples nesta história, é apresentado ao leitor a família Ramsay, uma família inglesa abastada que, junto de amigos vai passar suas férias na Ilha de Skye, a Escócia, conhecida pelo seu belo Farol. Entretanto, a simplicidade do enredo é equilibrada perto da grandeza artística e estrutural que esta obra possui, uma vez que temos um romance multifacetado, que traz elementos experimentais muito bem executados, estabelecendo assim, um estilo completamente consistente e muito bem trabalhado, cujo dará a Virginia Woolf um grande renome.

A presente família, em clima de férias, durante uma noite questiona a si mesmos sobre a vida que estão vivendo enquanto esperam o dia clarear para a possibilidade de passearem até o farol. O romance é dividido em três partes e não possui uma linearidade concreta, ou seja, temos idas e vindas sobre os acontecimentos, contados por pontos de vistas distintos dos personagens, trazendo uma elaboração artística muito bem-feita. Não me atentarei muito aos personagens especificamente, mas é muito importante frisar que todos eles nos são apresentados a partir do ponto de vista de outros personagens, ou seja, temos uma narração a partir da visão do outro, o que é muito interessante. Além do mais, não tem como deixar de fora o fato que os personagens do Sr. E a Sra. Ramsay possuem características muito bem fixas e que se referem aos pais da própria autora, que muitas vezes caracterizou este romance como uma “elegia biográfica”. Temos uma mãe compreensiva e doce e um pai mais austero e distante, a dicotomia entre eles refletem na educação de seus filhos, podemos dizer que até vemos certos elementos freudianos nas relações familiares.

Não podemos deixar de fora um dos elementos mais característicos deste romance, se não for o elemento que mais caracteriza a escrita de Virginia Woolf. O fluxo de consciência. Desta vez ele vem genuíno! Até não gosto tanto da terminação “experimental” para esta obra, pois a acho muito bem elaborada, não possui falhas e além disso, Virginia Woolf já tinha alcançado êxito em “Mrs. Dalloway” quando tratamos de fluxo de consciência na narrativa, em “Ao Farol” temos a concretização desse êxito um pouco mais elevado.

As reflexões que são postas nessa história dizem muito também sobre nós mesmos, em certos momentos somos questionados sobre o sentido de nossa própria vida e entramos em trabalho de introspecção e autocrítica. Em especial as reflexões a partir da figura da Sra. Ramsay me chamaram muito a atenção, esta personagem me comoveu inúmeras vezes e vemos que essa sensação era transpassada também para certos personagens na história, de certa forma me senti muito identificada com o processo de fluxo de consciência que Virginia Woolf criou a respeito desta personagem e sua conclusão me tirou o fôlego e acredito que isto é um ponto positivo, eu adoro autores que trazem essas sensações nas minhas leituras. Devo frisar em um momento da história que me chocou muito, foi belo demais de ler, o Sr. Ramsay e sua esposa estavam na sala e em um determinado momento, o mesmo esperava que sua esposa lhe dissesse que o amava, todavia para ela isto era impossível e aquele momento de tensão envolto da aura das duas consciências trabalhando juntas me comoveu muito, é esplendido mesmo a obra de Virginia Woolf.

Acredito que deixou de ter novidade que Virginia Woolf tornou-se uma das autoras mais queridas e admiradas por mim (ela está no mesmo patamar que Jane Austen, para mim), além disso ela tem um valor muito especial para o blog também pois foi a partir de leitura de uma obra dela que comecei tudo e sempre quando posso estou trazendo obras dela por aqui e a minha meta é conseguir trazer todas, ainda faltam alguns, mas chegaremos lá! Tenho muitas esperanças que este blog pendurará por muito tempo ainda e leituras tão maravilhosas como essa possam ser escritas por aqui. Deixo a análise com esta promessa, de persistir no blog e trazer leituras tão fabulosas quanto esta.

Com carinho, Malu, a Traça dos Livros.