“Penso, logo existo é uma afirmação de um intelectual que subestima as dores de dente. Sinto, logo existo é uma verdade de alcance muito mais amplo e que concerne a todo ser vivo. Meu eu, não se distingue essencialmente do seu eu pelo pensamento. ” (Pág.112)
E é com
essa linda citação que começo mais uma análise da minha última leitura dos meus
últimos dias de férias, mais uma vez, me aventurei na escrita de Milan Kundera
e escolhi “A Imortalidade” para contemplar.
Essa obra
tem uma premissa maravilhosa, ela é complexa, mas muito bem trabalhada, porém
um pouco perdida no caminho, mas ela consegue encerrar bem, devido tal
complexidade era de se esperar que alguma ponta se soltasse, mas o livro é
muito intrigante. É mais do que óbvio que certos autores possuem uma fórmula ou
padrão ao escrever seus livros, acho que todo mundo está careca de saber que
isso existe e Milan Kundera pode explorar vários temas, mas uma essência vai
sempre aparecer e vou explicar bem qual essência é essa.
Para
explicar tudo isso, preciso começar – redundantemente – pelo começo, temos
nosso autor como narrador de todo o enredo, observando uma mulher nadando no
clube, a partir de então ele cria uma história toda sobre sua vida e a partir
desta primeira premissa começamos a história, Kundera lhe dá um nome,
sentimentos, uma vida, uma família e uma história envolvente e a partir disso
sua fórmula aparece. As histórias cruzadas. Se você já leu “A insustentável
leveza do ser” ou qualquer outro livro do Kundera você perceberá que sempre
haverá histórias se cruzando na história e esse livro não deixou isso para
trás.
Paralelamente
a esta história temos a questão da imortalidade sendo colocada em reflexão, e
não dá para ligar imortalidade sem a palavra morte, mas Kundera atrela essas
duas questões de uma forma diferente, ao invés da imortalidade ser definida
pela não morte, a imortalidade para Kundera só existe após a morte, quando a
pessoa mesmo após sua morte continua sendo lembrada com o mesmo prestigio ou
mais quando vivo. Ele usa a figura de Goethe como exemplo disso, tem um momento
muito interessante no qual no panteão da imortalidade, Goethe e Hemingway
dialogam sobre esse tema e achei particularmente genial a ideia e muito bem
construída e de um jeito muito peculiar, esse cenário se cruza com as outras
histórias.
Se estamos
falando de histórias de Milan Kundera era óbvio que iria ter aquelas paixões
complicadas, controversas, aquele amor muito reflexivo e até mesmo destrutivo
entre os personagens. Somos levados a inúmeros momentos de fluxo de consciência
(coisa que eu amo!) Acerca de todos os temas possíveis e de momentos possíveis,
acho que um dos momentos que mais gostei de ler na história é um trecho no qual
o personagem Paul está almoçando com Brigite, sua filha, sobre cultura e Paul tira
a conclusão frustrante que a cultura de sua filha é totalmente limitada ao
senso comum ou as modas ditadas na vida real, o mesmo começa a recordar de sua
juventude e de sua grande adoração por Rimbaud e ao mesmo tempo se vê frustrado
com o repertório de sua filha, alegando não ter sido um bom pai para deixar
tudo aquilo conhecer, é bem interessante a forma como tudo é construído.
Claro,
devemos dizer que existe falhas, para mim, as duas últimas partes são
completamente avulsas a história, a sexta parte é algo muito fora de mão e
complicado de entender pois nos dá uma nova história paralela que se inicia e
termina na mesma parte, enquanto a sétima e última parte é uma tentativa de
fechar algumas pontas no qual não precisavam ser retomadas, se tudo tivesse
acabado na quinta parte acho que o choque seria muito melhor e daria mais
impacto ao livro, mas isso é minha humilde opinião que não vale tanto assim, ou
nem valha nada, mas achei que as últimas partes deixaram a desejar.
Não posso
deixar de comentar sobre um trecho no qual o próprio Kundera aparece na
história junto de alguns personagens e comenta sobre estar escrevendo “A
insustentável leveza do ser”, suspeito que a tal fórmula do Kundera cria
paralelos entre suas histórias, mas para isso ser melhor compreendido e
comprovado eu precisaria me aprofundar mais nas suas obras e acho que isso pode
ser deixado para um futuro mais longe, mas fica minha indicação de uma história
intrigante.
Com
carinho, Malu, a Traça dos Livros.
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